01 dezembro 2010

Os diabos e os donos do dinheiro


Toda esta situação que Portugal atravessa neste momento é no mínimo interessante de analisar e o porquê de termos chegado a este ponto.
Como tudo no mundo, nada é branco ou preto mas sim um conjunto de cinzas mais claro ou escuro dependendo sempre de quem olha. No entanto vou cometer o pecado de chamar "diabo" a duas entidades que mais não fazem do que nos fazer pagar migalhas por pães de quilo.

O primeiro e o pior dos dois são os bancos: em primeiro lugar porque inventaram a noção de dívida e nos permitem viver acima das nossas possibilidades.
Provocaram um nível de endividamento de tal forma grande e descuidado, que chegamos a limites em que as pessoas simplesmente desistem de pagar aquilo que têm e em vez dos bancos estarem a viver dos juros das dívidas ficam a braços com um conjunto de produtos (na sua maioria casas) que valem muito menos do que a dívida que o consumidor tem.
Ao tentar vender todas estas casas vai fazer com que o valor dessas casas desça ainda mais e torne o problema ainda maior. Como os bancos também devem a outros bancos os sistema financeiro fica num estado em que toda a gente deve dinheiro e ninguém tem dinheiro para o pagar.
Quem é que fica a perder? O povo! Porque é ele que não tem dinheiro para pagar as suas dívidas e é ele que vê as suas economias investidas neste sistema a desaparecer.
E porquê? Porque os bancos seduzem a quem não tem e mentem a quem tem apenas para aumentar os seus lucros, sabendo que quando isto rebentar eles já estarão com os bolsos cheios de prémios de desempenho e bem longe dali.
Este problema levado ao extremo, e sem controlo, iria levar provavelmente à falência uma grande parte dos bancos e com ele todo o dinheiro que as pessoas lá têm.

O segundo diabo desta história chama-se politico, este "gestor" tem como função a de gerir o melhor que sabe algo que pertence ao povo daquele país, e se, o povo gostar do seu trabalho, elege-o para governar durante mais algum tempo.
Todavia, ao contrário de outros gestores dos "donos" do dinheiro que gere, são pessoas na sua maioria ignorantes, manipuláveis e facilmente enganadas.
Aqui os prémios de desempenho (legais) até nem são muito chorudos mas como o "patrão" é burro é muito fácil fazer contractos com empresas privadas de amigos de modo a que estes no futuro eles lhes retribuam o favor.
Tal como o consumidor, o estado também se endividou para fazer os contratos chorudos e dar ao povo algumas migalhas e assim ficarem no poder durante mais alguns anos. E assim se fez durante muitos anos e cada vez com níveis superiores.

Quando os bancos entraram em rotura, o estado (e o povo), como precisa que eles existam para emprestar e que não desapareçam com as suas economias tiveram que cobrir os prejuízos dos bancos, mas para isso tiveram que se endividar ainda mais. E os bancos sobreviveram aos seus próprios erros convencendo as "pessoas" que mais veneno é o melhor remédio...

Porreiro pá! Os bancos estão salvos para continuarem a trabalhar...

O problema é que agora a dívida de milhões de pessoas passou para os estados e estes terão que também eles de pagar as suas dívidas...
Como os bancos vivem dos juros que cobram aos seus clientes, quanto maior for este, melhor para o banco e este juro está relacionado com o risco do cliente faltar ao pagamento da sua dívida. Se a dívida do estado é grande existe um risco superior deste não conseguir pagar, por isso vamos aumentar o juro.
Mas espera! Aumentámos o juro mas agora o risco deles não pagarem aumentou ainda mais! É melhor aumentarmos o juro para compensar o risco deles não pagarem... E se pagarem ganhamos uma pipa de massa... ;)

Noticias como esta são o exemplo:
http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=456485

Um banco, que por acaso um dos bancos que tiveram em apuros e que foram salvos pelos estados, não estando satisfeito com o preço do juro cobrado a Portugal está a dizer ao mercado que Portugal está na falência e que não vai pagar as suas dívidas, e para quê? Para que os juros subam ainda mais e os lucros do seu banco aumentem ainda mais...

Com isto podemos concluir que somos mal geridos por dois diabos que a única coisa que sabem fazer bem é gerir mal o dinheiro do povo para proveito próprio e porquê?

Por duas razões distintas:
1. O povo aplaude o gestor que dá mais e não o que gere melhor o nosso dinheiro.
2. Porque estamos demasiado dependentes da dívida. Os gastadores endividam-se para pagarem tudo (casa, carro, vestuário, mercearia, etc), mas os considerados conservadores mesmo só devendo para a sua casa própria, mesmo assim devem mais do que ganham durante 10 anos...

Para solucionar basta que façamos duas coisas muito complicadas:
- Greves gerais quando os nossos políticos assinam contratos que permitam os seus amigos, sem qualquer risco margens de lucro acima dos 10%, fazendo o povo pagar se o negócio não correr bem, e não quando o estado é obrigado a cortar nas suas despesas...
- Viver com cada vez menos dívida, e avaliar os nossos gestores não por aquilo que dão mas sim pela qualidade da sua gestão...

3 comentários:

Clairvoyant disse...

Como diria o grande e saudoso Vasco Santana... compreenditi :)

Sr. Luis, tenho pensado neste assunto muitas vezes, é aliás tema frequente das conversas de café pelo país.

Acredito que o problema de base é a falta de ética e de seriedade. Não afirmo que à 30 ou 40 anos as pessoas fossem de um moralismo rochoso, mas havia uma coisa que fazia a diferença; a imagem.

Nesses tempos, a imagem era tudo. As pessoas viviam em meios muito pequenos, as raízes que as ligavam à terra, família e amigos eram mais profundas, e ser-se sério e confiável era a pedra basilar para se ser alguém e conseguir negociar com os outros.

Daí que os bancos cultivavam essa imagem, de seriedade e estabilidade. Se reparares, olhando para as dependências mais antigas dos bancos, até os materiais usados na construção do edifício eram escolhidos com o propósito de mostrar essa solidez. Muita pedra, preferencialmente mármore.

O grande problema é que a sociedade mudou a sua percepção e os seus valores. As pessoas já não consideram como heróis os sérios e os trabalhadores, mas sim os espertalhões que evitam o pagamento de impostos, que roubam o Estado, que se safam às suas obrigações e conseguem grandes vidas dessa forma. E quando o ostentam, nós tornámos essa imagem de esperto novo-rico como o santo graal a seguir.

Portanto, os diabos de que falas foram eleitos por nós quando desistimos de viver com os princípios que nos foram passados pelas gerações anteriores. Aos poucos invadiram a nossa cultura, a nossa forma de estar e de pensar.

Fomos nós que nos deixámos seduzir por estes vampiros e inclusivamente abrimos a janela a jeito de convite para que eles pudessem entrar.

Já reconhecemos que são vampiros e que temos de nos livrar deles, agora a questão é como o fazer. Mundialmente estamos nas mãos dos banqueiros e outras grandes instituições financeiras.

E a solução não é deixar de recorrer ao crédito, porque como podes ver, quando o crédito não rende o que a banca espera, aponta a faca ao pescoço dos governos para conseguirem outra forma de mamar. Isso resolve o problema dos clientes pontualmente, mas não o problema de fundo. Estamos perante agiotas poderosíssimos.

Onde foi que perdemos o pé? Creio que foi a partir do momento em que todos nos tornámos gananciosos e retirámos o dinheiro das poupanças para ir atrás do investimento de risco. Quando passámos a deixar de necessitar de ter efectivamente dinheiro para comprar aquilo que desejamos. E também quando percebemos que podíamos mandar tudo às urtigas com um simples pensamento "que se lixe, quem vier atrás que feche a porta".

Neste momento só uma coisa atemoriza a banca, é que os clientes massivamente se marimbem para as suas responsabilidades. Porque este jogo só funciona enquanto pelo menos um dos lados for sério, se a banca falhar e os clientes falharem também, poderia ser o colapso de todo o sistema financeiro.

Os ditados antigos ensinam muita sabedoria. Recordo-me de um que diz "não contes com o ovo no cu da galinha". Mas quase toda a gente passou a fazer isso, a investir em cima de expectativas, de lucros que ainda não tinha obtido, e a considerar essas expectativas como activos.

A experiência veio a mostrar que as novas teorias financeiras não conseguem competir com séculos de sabedoria acumulada. Mas lá está, enquanto que antes se isolavam os chicos-espertos e toda a gente os apontava na rua como indesejáveis, hoje são idolatrados como exemplos a seguir.

Só existe uma forma de parar isto, e será a uma escala nunca vista. Até lá, esperemos que quem venha fechar a porta não sejamos nós, embora tenha pouca esperança nisso.

Barbosa disse...

Isto dá pano para mangas, mas para resumir e contribuir de certa forma, concordo com algumas coisas e discordo de outras. Fundamentalmente, recuso-me a culpar os bancos pela falta de controle que eu, como pessoa e cliente, possa ter sobre o meu dinheiro. É quase o mesmo que culpar o belo corpo de uma mulher num caso de adultério: chama-se fugir às suas responsabilidades e isto sim, é algo que faz já parte da cultura portuguesa (e de outras, como eu posso verificar todos os dias...).

Uma das formas mais simples de começar a resolver o problema é dar-se importância máxima à evolução da cultura financeira das pessoas. E como diz o ditado "de pequenino é que se torce o pepino", por isso o que não percebo é porque ainda não introduzimos a educação financeira a partir do ensino escolar básico!

Enfim, "only my 2 cents"...

Unknown disse...

Relativamente à falta de controlo das pessoas, os tugas até nem estão muito mal.
Mesmo nas condições em que estamos, o crédito mal parado até nem está assim tão mal parado...